É comum, principalmente no começo do ano, vc voltar das férias motivado e com sede de kilometros, vc começa a treinar forte, está se sentindo bem. Os quilômetros passam rápido, os treinos parecem fáceis. Está tudo tão bom que você resolve correr mais, mais forte. Um belo dia, depois de algumas semanas nesse ritmo forçado, sua corrida torna-se um martírio. Mesmo com o coração na boca, você não consegue manter o tempo dos últimos treinos. Nos dias seguintes, convencido de que o que está faltando é determinação e suor, você dá tudo de si e mesmo assim só vê seus tempos piorarem. Esse espiral rumo ao fundo do poço tem um nome: overtraining, ou síndrome do supertreinamento – e, sim, tem cura. Mas, como outros males que afetam nosso corpo, pode fazer um belo estrago até ser tratado.
“Virar o fio”. É assim que costumamos chamar o overtraining. O esportista vem numa curva crescente de desempenho e de repente ela cai. Essa virada pode ser conseqüência de treinamento excessivo, descanso inadequado, acúmulo de competições e excesso de cobrança.
Não é à toa que as principais vítimas do overtraining são os atletas muito motivados, seguidores da filosofia “no pain, no gain” (sem dor, sem ganho). Já vi jogadores de vôlei fugirem da concentração para correr escondidos, de madrugada, em volta do hotel.
Esses atletas esquecem que os treinos duros deixam o corpo mais fraco – o que faz ele mais forte é o descanso. Ao treinarmos, submetemos nosso corpo a uma sobrecarga que gera uma adaptação, que nada mais é do que o ganho em condicionamento. O sono e a alimentação restauram os estoques de energia e de nutrientes, criando o ambiente ideal para que a adaptação ocorra. Se o corpo recebe uma nova sobrecarga antes de ter conseguido se recuperar, começa o desequilíbrio que pode levar ao overtraining (vejam o post antigo sobre a super compensacao). Aí, por mais que se treine, não se consegue nenhum resultado. Hoje fala-se em máximo rendimento com mínimo treinamento.
Santa recuperação!
No overtraining o corpo perde a capacidade de se recuperar das sobrecargas sucessivas e entra em pane – uma pane suave, silenciosa e perigosa. Daí a lista enorme de sintomas imunológicos, neurológicos, emocionais e até musculares. O diagnóstico é difícil porque os sintomas se parecem com as conseqüências naturais de um treino forte. A diferença é que no overtraining esses sintomas tornam-se crônicos. Se você sentir depressão, fadiga prolongada e estabilização ou declínio da performance, e for descartada a possibilidade de outra doença, é aconselhável procurar um especialista em medicina do esporte.
Conheci um técnico de corrida que treinava de manhã e queria dormir o resto do dia. Ele falava que não tinha vontade de viver, de treinar, de lutar, ele quase entrou em overtraining. Ele dizia que estava passando por uma fase difícil e coloava todo seu descontentamento em cima da corrida. Não ouvia seu corpo. Depois de ser examinada por um médico, ele ficou um mês parado e retomou a corrida aos poucos, até voltar às maratonas.
Esse quadro de depressão é um mecanismo de defesa do atleta. Treinar exaustivamente sem se recuperar pode levar a um problema sério de saúde, até mesmo à morte súbita. A depressão obriga o atleta a parar. Ela aparece dois ou três dias antes das primeiras alterações fisiológicas. Se o treinador for sensível, pode perceber essa mudança no perfil psicológico do corredor e diminuir a carga de treinamento, evitando o overtraining.
Pane total
O overtraining costuma ser mais comum nos atletas que treinam para provas de longa duração, mas pode ocorrer com todo tipo de esportista – inclusive aqueles que treinam em academias e parques, poucas vezes por semana. Isso foi constatado em um estudo realizado no Centro de Estudos de Fisiologia do Exercício (CEFE), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Durante meses, eles pesquisaram os sintomas de overtraining em usuários de academias. O treino em grupos pode colocar indivíduos com aptidões físicas e sensibilidades ao treinamento diferentes sob o mesmo ritmo de trabalho físico.
O cansaço, a perda de peso e outros sintomas externos são apenas reflexos do desequilíbrio interno. O overtraining mexe com os hormônios. A testosterona, que influencia positivamente no desempenho, diminui.
O cortisol, que é o hormônio do estresse, aumenta. A redução dos níveis de testosterona, retarda a recuperação. O cortisol elevado aumenta a queima de proteína e leva à perda de massa muscular. Os níveis de endorfina também podem diminuir, o que explica a sensação de fadiga e a falta de concentração apresentados por indivíduos com overtraining. Como se não bastasse, a síndrome de supertreinamento pode causar a redução do número de células vermelhas (diretamente ligadas ao desempenho aeróbio) e do aminoácido glutamina (um dos responsáveis pela manutenção da resistência imunológica).
E pode vir também a perda da libido, como aconteceu com com um atleta 43 anos que treinava comigo. Depois de 20 anos de corrida e 15 de triathlon, ele resolveu pegar mais pesado nos treinos e competições e mais leve na alimentação – tudo por conta própria. Competindo quase todos os finais de semana, treinando todos os dias e comendo pouco, ele entrou num quadro sério de overtraining que levou mais de um ano para ser revertido. O organismo dele ficou bobo. Parou de emagrecer, mesmo comendo menos e treinando mais.
Não sentia mais dores musculares, perdeu a fome, a libido, a vontade de treinar, o sono. Uma prova que ele normalmente faria em duas horas, estava fazendo em quase três. Aconselhei ele a buscar ajuda médica e constatou o overtraining e a baixa total de testosterona. A reposição hormonal não funcionou. Foi preciso parar totalmente de treinar por um mês e passar outros quatro treinando leve para que seu corpo “acordasse”. Voltou a sentir dor, tesão, fome. Voltou treinar forte, porém observando as pausas para recuperacao e está super bem.
O repouso prolongado dele foi conseqüência de sua vontade de correr mais e mais, sem respeitar o descanso – um componente orgânico de treinamento. Correndo de forma inteligente, alimentando-se, hidratando-se bem e descansando, seu corpo vai saber aproveitar as sobrecargas sem entrar em colapso. Os resultados, acredite, virão mais rápido.
Abraços e bons treinos!
Jeison Costa.
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